Guia abandonou a trilha: é crime? E se for fora do Brasil?

Caso da brasileira que morreu em trilha na Indonésia levanta discussão sobre responsabilidade penal e civil de guias turísticos em atividades de risco

Juliana Marins/Reprodução

A morte da brasileira Juliana Marins durante uma trilha no Monte Rinjani, na Indonésia, reacendeu um debate fundamental: pode um guia turístico ser responsabilizado criminalmente por abandonar um viajante em situação de risco? A depender das circunstâncias, a resposta é sim — inclusive fora do Brasil.

A queda de aproximadamente 600 metros aconteceu no último sábado (20), e o corpo da jovem foi localizado apenas quatro dias depois com auxílio de drones térmicos utilizados pelas equipes de resgate locais. O episódio trágico levantou questionamentos sobre a conduta dos profissionais responsáveis por esse tipo de atividade, principalmente em experiências que envolvem risco físico elevado.

Segundo o advogado criminalista Vinícios Michael Cardozo, especialista em Ciências Criminais e sócio do GMP Advogados & Associados, situações como essa podem configurar o chamado crime por omissão imprópria, com base na figura da “posição de garante”. “Nem todo guia turístico ocupa essa posição. Mas em atividades de risco concreto, como trilhas noturnas em áreas remotas, o guia assume o dever de agir para proteger os participantes. Se ele abandona alguém em vulnerabilidade, pode sim responder criminalmente”, explica.

Nesses casos, a omissão pode configurar homicídio culposo, previsto no artigo 121, §3º do Código Penal Brasileiro. “Contudo, é preciso cautela: o Direito Penal exige nexo de causalidade. É necessário demonstrar que a omissão do guia contribuiu diretamente para o desfecho fatal”, ressalta o especialista.

E quando o caso acontece fora do país?

Por ter ocorrido na Indonésia, a responsabilização penal está, em regra, sob jurisdição local. “A princípio, o caso deve ser apurado e julgado pela Justiça da Indonésia. A legislação brasileira só se aplica em situações muito específicas, previstas no artigo 7º do Código Penal, como quando a vítima é brasileira, o autor está em território nacional e o crime é punível nos dois países”, aponta Cardozo.

No campo cível, no entanto, há mais caminhos. Se o serviço turístico foi contratado por meio de uma agência ou operadora brasileira, pode haver responsabilização solidária. “Se for comprovado que houve falha na escolha do prestador estrangeiro ou negligência na prestação do serviço, a empresa brasileira pode responder por danos morais e materiais no Brasil”, explica o advogado.

Juliana Marins/Reprodução

Além das responsabilidades jurídicas, o especialista reforça o papel institucional do Estado brasileiro. “Cabe ao Itamaraty garantir comunicação com os familiares, exigir investigações adequadas e prestar assistência consular desde o início. Em tragédias internacionais, o apoio jurídico e diplomático é indispensável”, conclui.

Casos como o de Juliana evidenciam lacunas na fiscalização global e reforçam a urgência de regulamentações mais rígidas para turismo de aventura. Para o GMP Advogados & Associados, a tragédia expõe não apenas falhas operacionais, mas a necessidade de garantir que vidas não sejam colocadas em risco pela falta de preparo, zelo ou compromisso com a segurança.

* Com informações AnaVic/Pmaisg

 

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